MEDICAMENTOS GRATUITOS
Uma dose que sai da Justiça
Dificuldade do Estado em garantir remédios se transformou em um problema jurídico
Dados do Ministério da Justiça mostram que a omissão do serviço público tem levado um número cada vez maior de cidadãos bater às portas da Justiça para obter medicamentos que o SUS não oferece. Em seis anos, os custos no Brasil passaram de R$ 2,5 milhões a R$ 260 milhões.
Em 2010, Santa Catarina gastou R$ 93 milhões no cumprimento de decisões judiciais para entrega gratuita de medicamentos de alto custo a 8,1 mil pacientes. Até junho deste ano, 17 mil ações envolvendo o fornecimento de remédios e outros itens relacionados a tratamentos de saúde tramitavam no Judiciário catarinense. Diante de despesas cada vez maiores e de uma quantidade crescente de pedidos, o governo estuda a criação de uma câmara técnica para tentar reduzir a demanda e conter os gastos com ações judiciais.
A Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina recebe 30 liminares com pedidos de medicamentos de alto custo por mês. Mas nem todos os remédios comprados pelo governo depois das decisões judiciais são efetivamente usados. Alguns sequer saem das prateleiras das regionais de Saúde, que fazem as entregas no interior do Estado. Estes produtos são cadastrados como “medicamentos devolvidos”.
Nem todas as ações judiciais envolvem apenas medicamentos de alto custo. Segundo a diretora, os pedidos na Justiça vão do fornecimento de fraldas a protetor solar de marca famosa. Para a diretora, a câmara poderá acabar com estas “distorções financeiras”. A diretora explica que muitas pessoas, por falta de conhecimento, pedem medicamentos que já estão na rede básica.
MEDICAMENTOS GRATUITOS
Paciente teme fim do acesso
Os pacientes que tiveram na Justiça a única forma de conseguir os medicamentos de alto custo temem que a criação da câmara técnica torne o acesso a estas substâncias ainda mais difícil. Há seis anos, o pescador aposentado Delgídeo José Pires, 77 anos, é um dos milhares de catarinenses que ganharam o direito de ter um tratamento de saúde de graça. Ao saber da ideia do governo, ficou desconfiado. “Se for para ajudar, tudo bem. Sei que deve ter gente que não precisa mesmo e ganha, mas acho que a maioria das pessoas precisa de verdade. E daí, como vai ficar?”, questiona.
Ele acredita que, se não fosse pela ação judicial, poderia nem ter resistido ao enfisema pulmonar adquirido após 40 anos de trabalho no mar. “Foi a minha salvação. Caso não tivesse conseguido nem sei o que teria acontecido, acho que não estaria mais aqui”, comenta o aposentado.
Antes de descobrir que poderia conseguir de graça os remédios que estavam consumindo o dinheiro de sua aposentadoria, Delgídeo passou por seis meses de sufoco. Na época, o valor pago era equivalente ao salário mínimo que recebia, e ele precisou pedir ajuda aos filhos para comprar.
Quando uma das filhas soube da possibilidade de conseguir o medicamento na Justiça, a família procurou um advogado. Em três meses, a ação foi julgada e Delgídeo venceu a ação contra o Estado. Ele toma continuamente três medicamentos: Spiriva, Busonid e Formocaps. Se comprasse, gastaria mais de R$ 500 por mês.
SAÚDE
Fim de semana de trabalho
Os funcionários públicos municipais do setor de saúde que participaram da greve em Joinville continuam neste fim de semana a recuperação dos dias parados. Sábado e domingo, 18 postos de saúde estarão abertos para atender a consultas médicas e exames preventivos que estavam agendados.
A estimativa da Secretaria de Saúde é que 2 mil atendimentos sejam feitos neste fim de semana. Faltariam ainda cerca de 28 mil atendimentos – a Secretaria da Saúde estima que cerca de 30 mil consultas tenham deixado de ser realizadas nos 40 dias de greve em Joinville. Metade das 56 unidades de atenção básica à saúde de Joinville ficou fechada durante a paralisação dos servidores, entre maio e junho. Foi preciso muita conversa entre as regionais e coordenações de saúde para criar um calendário de recuperação dos trabalhos.
Joinville
SAÚDE PELA VIA JUDICIAL
Medicamentos gratuitos que custam milhões
Em 2010, SC gastou R$ 93 milhões no cumprimento de decisões judiciais para a entrega gratuita de medicamentos de alto custo a 8,1 mil pacientes. Até junho deste ano, 17 mil ações envolvendo o fornecimento de remédios e outros itens relacionados a tratamentos de saúde tramitavam no Judiciário catarinense.
Diante de despesas cada vez maiores e de uma quantidade crescente de pedidos, o governo estuda a criação de uma câmara técnica para tentar reduzir a demanda e conter os gastos com ações.Anualmente, o governo do Estado gasta milhões de reais para comprar medicamentos de alto custo e distribuir a pacientes que recorreram à Justiça para garantir tratamento. Só em 2010, foram R$ 93 milhões para 8,1 mil pacientes. Preocupado com isso, o Estado procura formas de economizar e, para isso, estuda a criação de uma câmara técnica que trate do assunto.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) analisa duas modalidades de implantação da câmara. A primeira prevê a criação de um grupo de trabalho exclusivo na área administrativa. Este grupo teria a função de analisar e, se for o caso, autorizar o fornecimento de remédios e serviços de saúde antes do pedido ser encaminhado à Justiça. Esta opção está com o projeto mais adiantado. Segundo o procurador-geral do Estado, Nelson Serpa, em 15 dias o documento detalhando seu funcionamento deve estar pronto.
Na segunda proposta, a câmara seria formada por uma equipe de profissionais de saúde de diversas áreas, que atuariam exclusivamente nos casos em que a entrega de um medicamento é negada pelo Estado. Em uma eventual ação judicial, o juiz teria um laudo explicativo com as razões pelas quais o medicamento não foi fornecido ao paciente, dando subsídios para o julgamento.
A proposta ainda está em fase de estudos, mas já conta com o apoio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que vê a implantação como uma forma de qualificar o gasto público. Esta equipe, de acordo com o procurador-geral, prestaria apoio técnico sem interferir na decisão.
O coordenador de magistrados da presidência do TJSC, juiz Luiz Felipe Schuck, participa da elaboração do projeto e acha positiva a implantação.
– A ideia não é restringir o acesso a medicamentos, mas gastar melhor o dinheiro do Estado – afirma o juiz coordenador.
Schuck acredita que, por tratar-se de uma situação de emergência, ao julgar um pedido de medicamento, o juiz não consegue fazer uma análise preliminar do caso e corre o risco de ordenar a entrega sem ter realmente certeza de sua eficácia.
A câmara, segundo ele, permitirá que o juiz, ao receber o pedido, encaminhe o documento a um especialista da área que verifique a real necessidade de sua aplicação, inclusive consultando diretamente quem prescreveu o medicamento.
– Seria possível saber, por exemplo, se o remédio é compatível com determinada enfermidade, se pode ser substituído por um genérico ou outro de menor valor e se é útil para determinado estágio da doença – explica o magistrado.
A forma de contratação dos profissionais que fariam parte da câmara – seja ela da primeira forma ou da segunda – ainda não está definida. O mais provável, segundo Schuck, é que sejam contratados por meio de um convênio da Secretaria da Saúde, que seria responsável pela remuneração. Mas, mesmo sendo pagos pelo Estado, nos dois casos o corpo médico seria independente.
– Eles prestarão apoio técnico sem interferir – garante o procurador do Estado.
SAÚDE PELA VIA JUDICIAL
Temor que acesso fique mais difícil
Os pacientes que tiveram na Justiça a única forma de conseguir os medicamentos de alto custo temem que a criação da câmara técnica torne o acesso a estas substâncias ainda mais difícil. Há seis anos, o pescador aposentado Delgídeo José Pires, 77 anos, é um dos milhares de catarinenses que ganharam o direito de ter um tratamento de saúde de graça. Ao saber da ideia do governo, ficou desconfiado:
– Se for para ajudar, tudo bem. Sei que deve ter gente que não precisa mesmo e ganha, mas acho que a maioria precisa de verdade. E daí, como vai ficar? – questiona.
Ele acredita que, se não fosse pela ação judicial, poderia nem ter resistido ao enfisema pulmonar adquirido após 40 anos de trabalho no mar.
– Foi a minha salvação. Se não tivesse conseguido nem sei o que teria acontecido, acho que não estaria mais aqui – comenta o aposentado.
Antes de descobrir que poderia conseguir de graça os remédios que estavam consumindo o dinheiro de sua aposentadoria, Delgídeo passou por seis meses de sufoco.
Na época, o valor pago era equivalente ao salário mínimo que recebia, e ele precisou pedir ajuda aos filhos para comprar os remédios.
Quando uma das filhas soube da possibilidade de conseguir o medicamento na Justiça, a família procurou um advogado. Em três meses, a ação foi julgada e Delgídeo venceu a ação contra o Estado.
– Acho que até hoje tem muitos que precisam e não sabem desse direito. A gente nunca é informado de nada, só recebe a receita e tem que se virar – critica.
Delgídeo toma continuamente três medicamentos: Spiriva, Busonid e Formocaps. Se tivesse que comprar na farmácia, gastaria mais de R$ 500 por mês.
SAÚDE PELA VIA JUDICIAL
Devoluções chegam a 10%
A Secretaria de Estado da Saúde recebe 30 liminares com pedidos de medicamentos de alto custo por mês. Mas nem todos os remédios comprados pelo governo depois das decisões judiciais são efetivamente usados pelos pacientes.
Alguns sequer saem das prateleiras das regionais de Saúde, que fazem as entregas no interior do Estado. Estes produtos são cadastrados como “medicamentos devolvidos”.
De acordo com a diretora da Assistência Farmacêutica do Estado, Maria Tereza Agostini, todos os meses há um fluxo de devolução. Cerca de 10% dos remédios comprados em junho de 2011, por exemplo, ainda aguardam sua retirada.
– Existem casos em que os pacientes desistem do tratamento ou morrem. Como a secretaria não é avisada, e a maioria dos remédios é de uso contínuo, continuamos comprando a medicação – explica.
Quando não há procura pelo medicamento, ele volta para o estoque da secretaria, podendo ser repassado a outro paciente que tenha a mesma indicação.
Outro caso comum, segundo a diretora, é o pedido abusivo. Isso acontece quando, ao prescrever o medicamento, o médico determina a marca ou o laboratório fabricante. Esta situação também poderá ser controlada pela câmara.
– O profissional que fizer esta indicação (do remédio) terá de comprovar que há embasamento científico para isso. Caso não haja, o remédio poderá ser substituído por outro que tenha a mesma composição – alerta Maria Tereza.
Fraldas e protetor solar famoso
Mas nem todas as ações judiciais envolvem apenas medicamentos de alto custo. Segundo a diretora, os pedidos na Justiça vão do fornecimento de fraldas a protetor solar de marca famosa. Para a diretora, a câmara poderá acabar com estas “distorções financeiras”.
– O juiz, hoje, não tem como saber se o remédio recomendado pelo médico é realmente eficaz em determinado tipo de doença. A câmara poderia fazer isso – considera.
Maria Tereza afirma que muitas pessoas, por falta de conhecimento, acabam apelando ao Judiciário para pedir medicamentos que já estão na rede básica ou são subsidiados pelo Ministério da Saúde, como os indicados para tratamentos de câncer. Nestes casos, diz ela, as ações deveriam ser movidas contra a União.
Para o advogado José Roberto Almeida Souza Junior – que já atendeu dezenas de clientes que moveram ações contra o Estado –, a maioria dos pacientes que procuram a Justiça já tentou todas as outras opções para obter o remédio, e não teve sucesso.
Mas, segundo ele, apesar do número crescente de ações na Justiça, muita gente ainda perde o direito ao acesso gratuito aos medicamentos por não saber a quem recorrer.
DIARIO DO LEITOR
Saúde
Segundo reportagens exibidas no Jornal Nacional, o câncer de mama é a segunda maior causa de morte de mulheres no Brasil. A rede pública possui mais de 1,5 mil aparelhos de mamografia, mas por problemas de má distribuição, falta de locais adequados para instalação e, ainda mais grave, por falta de técnicos especializados para operá-los, mais da metade destes equipamentos encontra-se inoperante. O resultado deste triste quadro é que apenas 12% de um total de 28,5 milhões de mulheres na idade recomendada são atendidas com a realização deste exame.
Antônio Eugênio Terêncio
Por e-mail