OPINIÃO DO GRUPO RBS
Regras claras
Sempre será insuficiente a destinação de recursos à saúde num país de quase 200 milhões de habitantes e com um sistema de atendimento público ainda deficiente em várias áreas. Mas pelo menos o Senado concluiu de forma sensata o exame da Emenda 29, que disciplina os gastos obrigatórios da União, dos Estados e dos municípios com o setor. Tão importante quanto a fixação dos percentuais de investimentos foi a rejeição de um novo imposto, com a supressão da brecha espertamente incluída por parlamentares governistas com a intenção de ressuscitar a famigerada CPMF ou algo similar. Para quem esperava a fixação em pelo menos 10%, a votação representa uma frustração.
Prevaleceu o entendimento de que o atual sistema de definição dos recursos é o ideal, desde que as regras de destinação das verbas sejam mais claras. Aplicar em saúde o que está destinado ao setor deve ser de fato o primeiro compromisso das três esferas de poder.
O modelo brasileiro de assistência universal tem sido visto, apesar das limitações, como referência mundial em algumas áreas. É pelo sistema público que a população se submete a procedimentos complexos e tem acesso a recursos e medicamentos de alto custo. Falta muito, no entanto, para que um sistema tão amplo possa ser considerado exemplar. Os avanços dependem de determinação política, da definição de prioridades, de racionalização dos investimentos e de aperfeiçoamentos na administração dos serviços.
A Assembleia intermediou reunião entre a Secretaria da Saúde e a Prefeitura de Balneário Camboriú, com o intuito de achar uma solução conjunta para a reabertura do Hospital Santa Inês. “Queremos ajudar, mas o hospital é privado e precisa, rapidamente, encontrar outras formas de custeio”, argumentou o secretário Dalmo de Oliveira, lembrando que se trata do maior polo turístico de Santa Catarina.
Presidente da Comissão de Saúde, o deputado Volnei Morastoni sugeriu que se faça um plano emergencial para os quatro meses de temporada, com a abertura do pronto-atendimento, a transferência da emergência em traumatologia e ortopedia do Hospital Ruth Cardoso para o Santa Inês e dez leitos de UTI.
CAMINHO
Solução para o Hospital Santa Inês reuniu na Assembleia, a partir da esquerda, Eroni Foresti, Roberto Spósito, Dalmo Claro de Oliveira, Edson Piriquito, Volnei Morastoni, Dado Cherem e Jáu Noé Gaya (D).
O CRACK NA CAPITAL
Consumo da pedra já está incorporado ao cotidiano
No Centro, perto da Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça, usuários pouco chamam a atenção
Embaixo de um dos ônibus estacionados no aterro da Baía Sul, em Florianópolis, é devorada parte do crack consumido todos os dias no Brasil. Quantia que, de acordo com estimativas da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados e da Polícia Federal, varia de 800 quilos a 1,2 tonelada.
A poucos metros dali, sob o viaduto do túnel Antonieta de Barros, uma cena parecida. Em bueiros perto da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça, em pleno Centro da Capital, estão igualmente escondidos.
Enfurnados também em casarões abandonados, homens e mulheres com idade média entre 18 e 40 anos, também dependentes de álcool.
São personagens da chamada cracolândia. Exagero ou não, principalmente se comparada com a realidade de centros como São Paulo, é certo que o consumo de crack incorporou-se ao cotidiano das ruas da Capital.
Esse é o perfil com que trabalham serviços da prefeitura, como o Centro Pop de Florianópolis, com base na Casa da Liberdade, e que agora devem receber mais investimentos a partir do conjunto de ações anunciadas na quarta-feira pela presidente Dilma Rousseff. (PT).
O Palácio do Planalto pretende investir R$ 4 bilhões para ampliar a rede de atendimento aos usuários ao crack e perseguição ao tráfico. Serão três os focos de trabalho: tratamento, prevenção e repressão.
Dificilmente esta gente que mergulha na escuridão, parecendo bicho, reencontra a luz da saída para uma nova chance na vida.
Índice de recuperação é baixo, diz coordenadora
Assim sentem os profissionais acostumados ao convívio, como Irma Remor da Silva, coordenadora do Serviço e Abordagem de Rua:
– A gente precisa acreditar, mas o índice de recuperação do dependente do crack é muito baixo. Não se pode obrigar ninguém a se internar e, mesmo quando aceita, a pessoa já desenvolveu outras doenças psíquicas e físicas, como tuberculose, Hepatite C e Aids – afirma a coordenadora.
Outra questão é a ruptura dos laços dos dependentes com os familiares. O usuário vive nas ruas, onde encontra mais facilmente a droga, que tem preço baixo e venda acessível.
Apesar disso, uma ressalva: praticamente não existe consumo de apenas uma pedra. Há, sim, a dependência de cinco, 10 pedras diárias, o que significa que nenhum usuário gasta, por dia, menos de R$ 25.
Para conseguir dinheiro e sustentar o vício, vale desde se oferecer para cuidar de carros até a mendicância.
– Alguns usuários sobem os morros, mas sabemos que tem muito vendedor nas ruas. Gente que, junto com cachorro quente, bebida e passe de ônibus, também oferece esta pedra destruidora – conta Irma. BASTOS
angela.bastos@diario.com.br
ÂNGELA
O CRACK NA CAPITAL
Três minutos de euforia e, depois, loucura
De janeiro a outubro, 357 usuários de crack foram acolhidos no Centro Pop, onde são servidas três refeições ao dia. Eles são levados pela rede de atendimento, Polícia Militar, Guarda Municipal e população em geral.
Ontem à tarde, chegou mais um. Há dois meses na rua, o ex-caminhoneiro de Lages queria tomar banho. Estava com as roupas encardidas e os pés descalços. Resultado da vida que leva, dormindo ao relento, na Praia de Coqueiros, onde guarda carros de clientes dos bares e restaurantes.
Com 31 anos, o homem experimentou droga aos 13. A partir daí, uma sucessão de fatos o levou para clínicas de diferentes estados. Depois de fazer cursos, chegou a atuar como monitor. Mas teve recaídas.
– Desta vez estou desanimado. O essencial é o apoio, mas a minha família desacreditou de mim – contou.
Parte, justifica, pela sua vida de rua. Para ele, o crack – capaz de escurecer os dentes e queimar a ponta do nariz e dos dedos – é um “inferno”:
– Cheguei a ficar oito noites sem dormir, até que meu corpo tombou. O crack veio para destruir. São três minutos de euforia e passa, daí a gente fica enlouquecido e quer mais e mais – disse o ex-motorista.
Leila Franzoni coordena o Centro Pop. Por enquanto ainda não está claro sobre como serão investidos os recursos, mas ela considera que ampliar os serviços é importante:
– Não há nada específico para dependentes de crack. Temos outros problemas: a falta de documentação dessas pessoas e não termos albergue na cidade. Por isso, a rua é a saída, ou ir para uma clínica, que nem sempre é aceito.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, de 2003 a 2011, o número de atendimentos mensais no Sistema Único de Saúde (SUS) no país, por causa da dependência química, passou de 25 mil para 250 mil. Para atender a essa demanda, os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas vão, gradualmente, passar a funcionar 24 horas por dia. Em geral, os centros fecham às 18h.
EDITORIAIS
REGRAS CLARAS
Sempre será insuficiente a destinação de recursos para a saúde num país de quase 200 milhões de habitantes e com um sistema de atendimento público ainda deficiente em várias áreas. Mas pelo menos o Senado concluiu de forma sensata o exame da Emenda 29, que disciplina os gastos obrigatórios da União, dos estados e dos municípios com o setor. Tão importante quanto a fixação dos percentuais de investimentos de cada unidade federativa foi a rejeição de um novo imposto, com a supressão da brecha espertamente incluída por parlamentares governistas com a intenção de ressuscitar a famigerada CPMF ou algo similar.
Para quem esperava a fixação das verbas federais em saúde em pelo menos 10% do orçamento, a votação da Emenda 29 representa uma frustração. Prevaleceu o entendimento de que o atual sistema de definição dos recursos, corrigidos anualmente com base na evolução do PIB, é o ideal, desde que as regras de destinação das verbas sejam mais claras. Aplicar em saúde o que está destinado ao setor, por previsão orçamentária, deve ser, de fato, o primeiro compromisso das três esferas de poder. Consagrou-se, em muitos estados e municípios, a prática condenável de considerar outros gastos, destinados a atividades completamente alheias à saúde, como se fossem investimentos na área. O subterfúgio de maquiar verbas, usado também pela União, deve ser eliminado, ou a saúde pública continuará enfrentando os mesmos problemas. As regras agora definidas impedem desvios, mas somente serão efetivas se as irregularidades forem de fato punidas.
É consenso entre administradores de saúde e estudiosos que o sistema brasileiro enfrenta deficiências bem identificadas, nem todas por falta de recursos. A mais visível está nas emergências dos hospitais. Uma deficiência nem sempre percebida, porque tem impactos nos pacientes e seus familiares, é a das filas de espera por exames, tratamentos e cirurgias. É assim também que o SUS convive com contrastes, com algumas regiões atendidas por estruturas precárias, enquanto muitos hospitais oferecem atendimento de ponta. Serviços de reconhecida eficiência são exemplos de que a qualificação profissional e as tecnologias disponíveis pouco significariam sem melhorias na gestão. Nesse sentido, a administração integrada do sistema, com as atribuições de municípios, dos estados e da União, ainda desafia governantes e profissionais da saúde.
O modelo brasileiro de assistência universal tem sido visto, apesar das limitações, como referência mundial em algumas áreas. É pelo sistema público que a população se submete a procedimentos complexos e tem acesso a recursos e medicamentos de alto custo. Falta muito, no entanto, para que um sistema tão amplo, num país de tantas diferenças e desigualdades, possa ser considerado exemplar. Os avanços dependem de determinação política, da definição de prioridades, de racionalização dos investimentos e de aperfeiçoamentos na administração de todos os serviços. Assim, e não necessariamente com mais verbas, o SUS capaz de viabilizar um transplante de coração será ágil e eficiente também no atendimento cotidiano a quem recorre a uma emergência.